

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) manteve a condenação do Hospital Nair Alves de Souza, administrado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), para indenizar em R$ 50 mil por danos morais uma paciente. A parturiente sofreu queimaduras de segundo grau nas pernas e coxas durante uma cesariana realizada em maio de 2019 na unidade hospitalar.
O caso revela uma falha grave na manutenção de equipamentos médicos, especificamente um bisturi elétrico utilizado no procedimento. A sentença de primeira instância, proferida pelo juiz João Celso Peixoto Targino Filho da comarca de Paulo Afonso em junho de 2024, já havia apontado a responsabilidade do hospital e da Chesf.
Segundo os autos, a parturiente deu entrada no Hospital Nair Alves de Souza em 29 de maio de 2019, com 32 semanas de gestação e fortes dores de parto. Após avaliação e internação, foi submetida a uma cesariana na madrugada do mesmo dia. A paciente alega que estava em perfeitas condições de saúde e sem sinais de queimaduras antes da cirurgia.
No entanto, pela manhã, enfermeiras constataram queimaduras de segundo grau nas partes internas de suas pernas e coxas. Um médico cirurgião confirmou a extensão das lesões, descrevendo uma queimadura linear profunda na coxa direita e uma bolha (flictema) na coxa esquerda. A mulher permaneceu internada por 21 dias para tratamento das queimaduras.
No processo, a mulher sustentou que as queimaduras foram causadas pelo bisturi elétrico utilizado na cesariana, resultado de negligência durante o procedimento cirúrgico. Embora tenha mencionado danos materiais e estéticos, a ação se concentrou no pedido de indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil.
A Chesf, em sua defesa, alegou ilegitimidade passiva e inexistência de conduta irregular por parte do hospital, atribuindo eventual responsabilidade à PRESSAU – Prestadora de Serviços de Saúde Ltda., empresa que contratou a médica responsável pela cirurgia. A médica, por sua vez, também negou culpa e qualquer intercorrência durante o procedimento. A PRESSAU argumentou que todos os atos médicos foram praticados conforme as normas hospitalares e o Código de Ética Médica.
Um laudo pericial crucial para o desfecho do caso apontou que a conduta médica da cirurgiã foi adequada, mas que a causa das queimaduras foi a “falta de manutenção do equipamento de bisturi e/ou posição da placa”. A perita detalhou que a placa dispersiva do bisturi elétrico, responsável por dissipar a energia e evitar queimaduras, foi posicionada de forma inadequada, entre o glúteo e a coxa, áreas ricas em gordura e com menor vascularização, contrariando as boas práticas médicas. A perita também classificou o dano estético como “importante”.
Na sentença de primeira instância, o juiz João Celso Peixoto Targino Filho concluiu que houve negligência do hospital na manutenção do bisturi elétrico, sendo esta a causa das queimaduras. Ele julgou parcialmente procedente a ação, condenando solidariamente o hospital e a Chesf ao pagamento de R$ 50 mil por danos morais. Os pedidos de indenização por danos estéticos e patrimoniais não foram acolhidos devido à ausência de pedido formal na petição inicial. A Chesf apelou da decisão, alegando nulidade da sentença por falta de fundamentação na fixação do valor da indenização. No mérito, buscou eximir-se da responsabilidade.
A relatora do caso no TJBA, desembargadora Rosita Falcão, da 3ª Câmara C[ivel do TJBA. rejeitou a preliminar de nulidade, considerando que a sentença de primeira instância explicitou os critérios utilizados para fixar a indenização, como o perfil das partes, a repercussão do dano e o ânimo da parte demandada.
No mérito, a desembargadora destacou a responsabilidade objetiva da Chesf, enquanto prestadora de serviço público, pelos danos causados por seus agentes, conforme o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Ela ressaltou que o laudo pericial comprovou o nexo causal entre a falha na manutenção ou uso do bisturi elétrico e as queimaduras sofridas por Laíne.
“O nexo causal está evidenciado pela ocorrência das queimaduras provocadas na autora e sua gravidade, classificando o dano estético como ‘importante’, uma vez que as lesões, localizadas em região íntima da paciente, ocasionaram-lhe diversos transtornos, e não apenas sofrimento físico durante o período de internação (de 29/05/2019 a 19/06/2019), mas também deixaram sequelas permanentes que afetam sua vida cotidiana e sua autoestima”, afirmou a relatora em seu voto.
A desembargadora também considerou presumível o dano moral diante do constrangimento e sofrimento da paciente ao ser surpreendida com queimaduras de segundo grau após uma cesariana. Ela entendeu que o valor de R$ 50 mil fixado na sentença era adequado para compensar os danos e atender ao caráter pedagógico da condenação.
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