

Uma inspeção ordinária realizada pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), no Conjunto Penal de Itabuna, em 29 de janeiro deste ano, expôs uma série de irregularidades que comprometem a administração pública e os princípios da execução penal na unidade prisional. O relatório aponta para superlotação, falhas de segurança alarmantes e, principalmente, um possível esquema de tratamento privilegiado ao traficante Fábio Possidónio, líder de facção criminosa, utilizando um projeto de remição de pena como fachada.
Com uma população carcerária de 822 internos, excedendo a capacidade projetada de 670, o Conjunto Penal de Itabuna abriga homens e mulheres em regimes fechado e semiaberto. No entanto, a inspeção revelou que a situação vai muito além da questão da superlotação.
O foco central das denúncias recai sobre o Projeto Relere, idealizado pelo Ministério Público da Bahia (MPBA) e coordenado pela promotora de Justiça, Cleide Ramos, desde 2022. Formalmente destinado à remição de pena por meio da leitura, a operacionalização do projeto foi duramente criticada pela Corregedoria. Segundo o relatório, a iniciativa desrespeita normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do próprio TJBA ao ignorar requisitos mínimos de controle, publicidade, isonomia e regularidade processual.
A inspeção constatou que as resenhas literárias supostamente elaboradas pelos internos não passam por uma Comissão de Validação, conforme exigido pela legislação. A avaliação e aprovação dos trabalhos estariam concentradas exclusivamente na figura da promotora, levantando sérias dúvidas sobre a lisura do processo e a imparcialidade na concessão da remição de pena.
A situação ganha contornos ainda mais graves com a identificação do custodiado Fábio Possidônio, apontado como liderança de alta periculosidade da facção criminosa Raio A, sendo um dos principais beneficiados pelo suposto esquema. Sua participação contínua e exclusiva no Projeto Relere, em detrimento de critérios rotativos e objetivos, sugere um tratamento privilegiado e seletivo, desviando a finalidade ressocializadora declarada e configurando uma afronta à ordem pública.
Denúncias colhidas durante a inspeção, incluindo relatos de servidores e custodiados registrados em vídeo, detalham um tratamento “VIP” indevido a Possidônio, como a preparação de refeições especiais em utensílios próprios e em ambiente separado do refeitório coletivo, com a presença da própria representante do Ministério Público em diversas ocasiões.
Um episódio que causou “espanto ainda mais profundo” à Corregedoria foi a inexplicável ausência das imagens de segurança relativas a um “famoso almoço” realizado em 23 de janeiro de 2025. A falta das gravações, em clara violação ao regulamento interno da unidade, motivou a apreensão do HD da sala de imagens para análise pericial.
Outro ponto de preocupação levantado na inspeção diz respeito à atuação da promotora em questões de segurança da unidade prisional. Um relatório interno do Coordenador de Segurança do Conjunto Penal ao Diretor narra uma intervenção da representante do Ministério Público nos procedimentos de transporte de custodiados, quando ela teria entrado pessoalmente na cela de transporte para verificar as condições de ventilação.
Ademais, a inspeção confirmou as reiteradas denúncias sobre a circulação indiscriminada de aparelhos celulares dentro do presídio, com relatos detalhados sobre métodos de ocultação, valores cobrados aos internos e até mesmo o uso indevido de espaços religiosos como esconderijos, evidenciando uma grave falha nos mecanismos de controle e segurança.
A gravidade da situação se intensificou com informes de inteligência sobre um plano de invasão do Conjunto Penal por uma facção criminosa rival, com o objetivo de resgatar líderes do tráfico, incluindo o próprio Fábio Possidônio. A ameaça exigiu uma ação imediata da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), culminando na transferência do custodiado para uma unidade de maior segurança.
Diante do quadro de irregularidades, o Corregedor Geral da Justiça, desembargador Roberto Maynard Frank, acolheu o parecer da juíza auxiliar Maria Helena Lordêlo de Salles Ribeiro e determinou o envio de ofícios a diversos órgãos e entidades, incluindo a SEAP, o SENAI e a NEOENERGIA/COELBA, solicitando providências e informações sobre as falhas constatadas.
Além disso, o Corregedor determinou o encaminhamento da ata de inspeção ao juiz auxiliar da CGJ com atribuição disciplinar para apuração das desconformidades e inconsistências verificadas, com destaque para a possível “inação da vara de execuções penais de Itabuna em relação à unidade prisional em questão”.
Foto: SEAP