

Desde a explosão das apostas esportivas (bets) no Brasil, muito já se falou sobre seus efeitos sociais, os riscos de dependência e a influência sobre públicos vulneráveis. Também se multiplicaram análises técnicas sobre as novas regras da Senacon, Sedcon-RJ e Conar. No entanto, um aspecto central ainda passa despercebido no debate público: a crescente responsabilização de empresas que, mesmo sem operarem apostas diretamente, se associam ao ecossistema publicitário desse setor.
É o que explica Débora Farias, advogada especializada em Direito do Consumidor. Ela lembra que a Nota Técnica nº 14/2024, publicada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) em conjunto com a Secretaria Estadual de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro (Sedcon-RJ), e a atualização das normas do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), impõem um novo padrão de exigência ética e jurídica para a veiculação de publicidade relacionada a apostas de quota fixa — popularmente conhecidas como bets.
Segundo a especialista, “quem pensa que essas diretrizes se limitam às casas de aposta está enganado. Influenciadores, plataformas digitais, times de futebol, veículos de mídia e marcas patrocinadoras entram na mira das autoridades a partir do momento em que viabilizam ou associam suas imagens a campanhas que contrariem os parâmetros legais”.
O risco de terceirizar a reputação
Débora rememora que, em 2023, um influenciador foi processado por divulgar apostas em um canal com público predominantemente infantojuvenil. “A empresa que patrocinava seu conteúdo, embora sem ligação direta com o setor de bets, foi acionada judicialmente por conivência e lucro indireto. Em outro caso, um clube de futebol enfrentou sanções administrativas por veicular publicidade com promessa de ganho financeiro fácil, infringindo os princípios de transparência e responsabilidade previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC)”.
De acordo com a advogada, o ponto em comum entre esses episódios é a responsabilização solidária, prevista no próprio CDC. Isso significa que empresas que participam da cadeia de promoção de um serviço — ainda que de forma indireta — podem ser corresponsabilizadas por práticas abusivas ou enganosas.
O que dizem as novas regras
Segundo a especialista, a Nota Técnica da Senacon e as novas diretrizes do Conar estabelecem, entre outros pontos:
Proibição de publicidade dirigida a menores de 18 anos ou veiculada em ambientes frequentados por esse público.
Obrigatoriedade de avisos sobre riscos financeiros e possibilidade de dependência, com linguagem clara e visível.
Vedação a bônus promocionais que induzam ao superendividamento ou transmitam a ideia de que apostas são solução para dívidas ou enriquecimento.
Identificação explícita de conteúdo patrocinado, inclusive em postagens de influenciadores.
Exigência de identificação da operadora, CNPJ e autorização legal nas peças publicitárias.
Responsabilidade solidária de anunciantes, agências e plataformas pela regularidade das campanhas.
Além disso, Procons e demais órgãos de defesa do consumidor estão autorizados a instaurar fiscalizações com base nesses critérios, aplicando sanções administrativas nos casos de descumprimento.
Governança e prevenção como estratégias jurídicas
Para evitar riscos legais e proteger sua imagem institucional, Débora sugere que as marcas devem investir em cláusulas contratuais mais robustas com influenciadores e parceiros, políticas internas de compliance publicitário e análise preventiva das peças veiculadas em seus canais ou associadas à sua marca.
“Esse não é apenas um tema regulatório. É um assunto de governança corporativa, reputação e responsabilidade institucional. Em tempos de exposição intensa e escrutínio público, a reputação virou um ativo jurídico — e sua blindagem começa pela forma como as marcas escolhem se comunicar”, finaliza.
Divulgação / Agência Brasil / Arquivo