

A aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021, que estabelece a nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental, reacendeu o debate sobre os limites entre desenvolvimento e preservação. Apelidado por críticos de “PL da Devastação”, o texto flexibiliza exigências para empreendimentos considerados de baixo e médio impacto, permitindo inclusive o autolicenciamento por meio da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Políticos e empresários, principalmente ligados ao agronegócio, comemoraram sem se darem conta que, de qualquer forma, terão de se adaptar às leis dos países compradores, em alguns casos mais rígidas.
É o que explica Roberto Gonzalez, especialista em governança corporativa e ESG (sigla para práticas ambientais, sociais e de governança). Ele alerta que, embora a nova legislação possa destravar obras paradas e acelerar investimentos, ela também pode gerar efeitos colaterais graves — tanto ambientais quanto comerciais. Principalmente para companhias exportadoras.
“O ESG não é uma agenda local, é global. Empresas brasileiras que operarem sob regras mais frouxas terão de se adaptar às exigências dos países importadores, sob risco de perder acesso a mercados estratégicos”, afirma o especialista. “A governança precisa ser integrada à estratégia e isso inclui respeitar padrões internacionais, mesmo que a legislação nacional seja mais permissiva. Essa flexibilização, aliás, enche a concorrência de argumentos para tomar o mercado até agora nas mãos de companhias brasileiras”, alerta.
Segundo esclarece o especialista, a nova lei pode facilitar projetos como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, a construção de estradas em áreas sensíveis e a expansão agropecuária em regiões de floresta. Mas isso tem um custo: o risco de desmatamento, impactos em comunidades indígenas e quilombolas, e o enfraquecimento da fiscalização ambiental, trazendo problemas para os seres humanos como o aumento de distúrbios respiratórios.
“A União Europeia já manifestou preocupação com os efeitos da nova legislação brasileira. O bloco está prestes a implementar o Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), que exigirá rastreabilidade e conformidade ambiental rigorosa para produtos como carne, soja e madeira. A flexibilização interna pode se tornar um obstáculo externo”, pontua Gonzalez.
E continua: “O histórico reforça esse alerta. Quando, no governo anterior, o então ministro Ricardo Salles eliminou certificações para facilitar a exportação de madeira, as toras brasileiras ficaram retidas nos portos dos Estados Unidos por não atenderem à legislação local. Além disso, a nova lei reduz o papel de órgãos técnicos como o Ibama e a Funai em processos de licenciamento, especialmente em áreas não regularizadas. Isso pode fragilizar a proteção de territórios indígenas e comprometer compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT, que trata dos direitos dos povos indígenas”.
Gonzalez também destaca que, por outro lado, representantes de setores produtivos comemoram. “A Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) classificou a aprovação como “um marco histórico” e destacou que mais de 5.600 obras públicas estavam paradas por falta de licenciamento. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também celebrou, afirmando que a lei “moderniza, desburocratiza e garante segurança jurídica””.
Gonzalez discorda. “A flexibilização é um erro. O que deveríamos pensar é como melhor estruturar órgãos como Ibama e Funai para, sem perder a essência, agilizarem o processo de licenciamento ambiental”, sugere, completando que o desafio é maior: “Governança é o processo de definição da estratégia e sua implementação com monitoramento. Se não houver alinhamento com os stakeholders globais, as empresas correm o risco de se isolarem.”
A matéria segue agora para sanção presidencial. Se aprovada sem vetos, poderá redefinir o modelo de licenciamento ambiental no país — e o lugar do Brasil na economia verde global.
Câmara dos Deputados / Divugação