

A Bahia foi o segundo estado do Brasil com maior número de mortes violentas intencionais (MVI) de crianças e adolescentes em 2024, segundo dados do 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisados pela reportagem do BNews. O estado registrou 12,2 casos a cada 100 mil habitantes de 0 a 17 anos, número que representa quase o triplo da média nacional.
Em 2024, o Brasil registrou 2.356 mortes violentas intencionais (MVI) de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, o que corresponde a uma taxa de 4,6 por 100 mil habitantes nessa faixa etária. O grupo mais afetado foi o de adolescentes de 12 a 17 anos, que concentrou 2.103 mortes, representando aproximadamente 89% do total.
Entre as principais causas, amarga o homicídio doloso, sendo o principal motivo das MVI entre crianças e adolescentes no Brasil. Em 2024, foram 1.910 casos, o que representa 81% do total. Em segundo lugar, aparecem as mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP), com 407 vítimas, sendo 404 adolescentes. Em 2023, elas representavam 16,6% das mortes violentas de adolescentes. No ano passado, essa proporção subiu para 19,2%, registrando um aumento de 15,7% na participação desse tipo de ocorrência dentro das MVI.
Em terceiro lugar, o crime de lesão corporal seguida de morte foi responsável pelo falecimento de 22 jovens, e por fim, o crime de latrocínio, registrando um total de 17 falecimentos.
Em terceiro lugar, o crime de lesão corporal seguida de morte foi responsável pelo falecimento de 22 jovens, e por fim, o crime de latrocínio, registrando um total de 17 falecimentos.
Ao analisar as regiões do país com os piores percentuais, observa-se que os estados do Norte e, sobretudo, do Nordeste concentram as maiores taxas de mortes violentas intencionais entre crianças e adolescentes. Os destaques negativos são para essas regiões e as regiões listadas registraram taxas bem acima da média nacional, que é de 4,6 por 100 mil habitantes:
- Amapá (13,6);
- Bahia (12,2);
- Ceará (10,6);
- Alagoas (8,3);
- Pernambuco (8,2);

Conforme aponta o 19º Anuário, os dados de 2024 “delineiam um quadro de forte desigualdade regional, reforçando tendências já identificadas em anos anteriores”. As estatísticas revelam que a maioria das MVI entre crianças e adolescentes, de 10 e 17 anos, são negras, do sexo masculino e vivem em regiões periféricas.
De maneira detalhada, na faixa de 0 a 11 anos, os meninos já são maioria entre as vítimas (62,2%), uma diferença que se ampliou em relação a 2023, quando essa proporção era de 53,3%. Entre os adolescentes de 12 a 17 anos, a disparidade é ainda mais evidente, quase 9 em cada 10 vítimas de MVI são do sexo masculino.
Fora do espaço público, o ambiente doméstico também tem sido palco para violência. Metade das mortes de crianças ocorrem dentro de casa, são 50,7% dos espaços de agressão e letalidade dos jovens. Já entre os adolescentes, o cenário se inverte, 64,3% das mortes acontecem em via pública. Dado que conforme o próprio estudo “evidência o envolvimento desses jovens em contextos de violência urbana, em geral”.
Para concretizar essas mortes, o anuário seccionou as principais ferramentas para encerrar essas vidas. No grupo de 0 a 11 anos, predomina a agressão (21,8%) e outros meios (36,3%), reflexo da incidência de mortes no contexto infrafamiliar. Armas de fogo, embora presentes, correspondem a 31,6%, percentual bem mais baixo que o observado entre adolescentes.
Já entre os adolescentes, o quadro é distinto: as armas de fogo respondem por 87,3% das MVI, revelando a centralidade da violência armada nesse grupo etário, reiterando a associação das mortes intencionais de adolescentes à dinâmica da violência urbana.
Quem tem morrido?
Ao analisar a distribuição das mortes violentas intencionais de adolescentes por idade simples e comparadas com o número de MDIP para esse mesmo recorte etário, observa-se que houve um crescimento acentuado tanto de MVI quanto de MDIP na adolescência, sobretudo a partir dos 14 anos.
Enquanto as mortes violentas sobem de 144 casos aos 14 anos para 900 aos 17 anos, as mortes em intervenções policiais também crescem, saindo de 15 casos aos 14 anos para 193 aos 17 anos, uma elevação mais de 12 vezes em apenas três anos.
Esse padrão evidencia que uma a cada cinco mortes violentas intencionais de adolescentes no país ocorreram em intervenções policiais”, pontou o ofício.
Além disso, os dados confirmam que dentro desse recorte a “brutal desigualdade racial na sociedade brasileira, em geral, e na letalidade contra crianças e adolescentes no Brasil, em particular”. Sobretudo, pelas vítimas negras representarem quase 65% dos casos de MVI.
“Esse percentual se agrava ainda mais entre adolescentes, quando a proporção de vítimas negras salta para 85,1%, enquanto as vítimas brancas correspondem a 14,4%. Ou seja, ao menos quatro a cada cinco adolescentes brasileiros vítimas de MVI em 2024 era negros. Tal disparidade corrobora o peso do racismo estrutural na distribuição da violência letal no país, reforçando a sobreposição entre juventude negra e maior risco de exposição a contextos de violência”, diz o anuário.
Ao menos quatro a cada cinco adolescentes brasileiros vítimas de MVI em 2024 era negros. Tal disparidade corrobora o peso do racismo estrutural na distribuição da violência letal no país.
Necropolitica
Em entrevista ao BNews, a especialista e assessora de Advocacy da Iniciativa Negras por uma Nova Política Sobre Drogas, Sara Sacramento, destacou que essas mortes ocorrem a partir da ausência estatal.
“É muito importante observar que a disseminação dessas mortes ocorre desde o início da vida. Isso se relaciona diretamente com as políticas de ausência intencional do Estado e com a precarização da vida nas periferias do Brasil. A falta de acesso a direitos básicos nas comunidades contribui significativamente para a produção dessas mortes”, pontua a especialista.
“A ausência de acesso à saúde de qualidade, à água potável, ao saneamento, à alimentação adequada e à moradia digna faz com que as pessoas vão morrendo aos poucos. Ou seja, é uma necropolitica em sua segunda dimensão, são duas: fazer morrer e deixar morrer. O fazer morrer é aquilo que entendemos por morte letal promovida pelo Estado. O deixar morrer está relacionado as políticas de ausências. A precarização das políticas necessárias a subsistência humana”.
A Iniciativa Negra por Nova Política sobre Drogas é uma organização que atua desde 2015, e articula o desenvolvimento de uma agenda de justiça racial e econômica, promovendo ações em Direitos Humanos e políticas de combate as drogas.
Em nota, a Secretária de Segurança Pública (SSP), ressaltou “que nos últimos dois anos as mortes violentas apresentaram reduções de 6% (2023) e de 8,2% (2024) na Bahia. No primeiro semestre de 2025, a queda nos registros de homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte foi de 7,3%”.
Além disso, o órgão destaca ainda que “a contratação de 6 mil novos profissionais da Segurança Pública e os investimentos em novos equipamentos garantiram a ampliação das ações de combate ao crime organizado”.
Veja nota na íntegra
A Secretaria da Segurança Pública ressalta que nos últimos dois anos as mortes violentas apresentaram reduções de 6% (2023) e de 8,2% (2024) na Bahia. No primeiro semestre de 2025, a queda nos registros de homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte foi de 7,3%.
Destaca ainda que a contratação de 6 mil novos profissionais da Segurança Pública e os investimentos em novos equipamentos garantiram a ampliação das ações de combate ao crime organizado.
Com relação aos casos de mortes decorrentes de intervenção policial, a SSP esclarece que todas as ocorrências são investigadas pela Polícia Civl e também pelas respectivas Corregedorias. Salienta ainda os investimentos em tecnologia e equipamentos de inteligência, visando a atuação sempre mais eficiente e dentro da legalidade.
Reitera, por fim, o compromisso dos investimentos contínuos nas Forças Policiais, ampliando as ações entre as Forças Estaduais e Federais, fechando o cerco contra o crime organizado.
Fernando Frazão/Agência Brasil