

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) montou uma “força-tarefa”, com o aval do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na tentativa de impedir o deslocamento de potenciais eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Nordeste, durante o segundo turno das eleições de 2022, e favorecer o então presidente Jair Bolsonaro (PL).
O BNews obteve acesso à delação premiada do tenente-coronel e braço direito de Bolsonaro, Mauro Cid, à Polícia Federal, após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, derrubar o sigilo de sua delação na quarta-feira (19).
De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), de mais de 270 páginas, o foco da operação da PRF foram os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco — regiões nas quais a votação em Lula foi mais expressiva no primeiro turno. Os documentos apontam para o nome de quatro federais — que já foram afastados dos seus cargos. Confira:

Com a anuência do ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, o quarteto, através de sua Diretoria de Operações (Diop) da PRF, teria arquitetado todo o esquema em cidades e regiões nas quais Lula havia derrotado Bolsonaro no primeiro turno de 2022. Foram eles:
- Silvinei Vasques: então diretor da PRF
- Fernando de Sousa Oliveira: então delegado da PF e diretor de Operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública
- Leo Garrido de Salles Meira: então delegado da PF e diretor do Diop e da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública
- Marília Ferreira de Alencar: então delegada da PF e diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública
A pena para esse tipo de crime é reclusão de 3 a 6 anos e multa. De acordo com a PGR, durante o segundo turno das eleições, a região Nordeste concentrou o maior número de policiais mobilizados, o maior número de postos fixos de fiscalização e o maior número de ônibus fiscalizados e retidos.
Como tudo começou?
Após o primeiro turno das eleições de 2022, a então delegada da PF, Marília Alencar, solicitou a elaboração de um relatório voltado aos resultados eleitorais. O objetivo era coletar informações sobre os locais onde Lula havia obtido uma votação expressiva, com foco especial nos municípios da região Nordeste.
“A ferramenta figurava como elemento crucial na execução do plano de manutenção de Jair Bolsonaro no poder, uma vez que visava a reverter o favoritismo do oponente, percebido, tanto pelos resultados do primeiro turno quanto pelas pesquisas de intenção de voto no segundo turno”, afirmou a PGR.
Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagem reveladores sobre o caso. A PGR identificou profunda colaboração de Anderson Torres, na trama — a exemplo de diversas reuniões entre ele e Marília durante o caso, o que foi interpretado como uma “movimentação atípica”.
Os celulares dos investigados passaram por perícia e, apesar da exclusão das mensagens trocadas diretamente com o ministro, o histórico de conversas de Marília com o então delegado da PF, Fernando Oliveira, forneceu detalhes adicionais sobre as atividades ilícitas.
Além disso, a perícia no aparelho celular de Fernando também localizou diálogos relevantes sobre as ações da PRF, “que reforçam o comportamento doloso dos denunciados”, de acordo com a PGR.
As investigações mostraram que Marília, Fernando e o ex-delegado Leo Garrido integravam um grupo de WhatsApp intitulado “EM OFF” — onde foram compartilhadas diversas mensagens sobre a produção do relatório pedido pela então diretora de Inteligência.
“A movimentação atípica dos denunciados entre os dois turnos eleitorais também foi percebida pelo aumento dos pedidos de reunião de Marília com Anderson Torres. O objetivo escuso dos encontros com Anderson foi explicitado em trocas de mensagens datadas de 7.10.2022. Ali se vê que Fernando Oliveira deu conta de que o “chefe chamou” [no caso, o então ministro Anderson Torres] e combinou um encontro no 13º andar. Pouco tempo depois, Marília respondeu que estava muito ansiosa e “doida para poder fazer alguma coisa”. Fernando externou, então, seu receio de o planejamento não funcionar, deixando claro que tramavam ação anormal”, dizia um trecho da denúncia da PGR.
Esforço incessante, crescente e coordenado
Os documentos obtidos pelo BNews ainda apontam que havia “uma forte rede de comunicações desenvolvida pelos denunciados, com evidências de reuniões e decisões tomadas para garantir, por meio de ações conjuntas, apoiadas na força policial, a vitória de Jair Bolsonaro”.
As investigações apontam para concordância do ex-diretor da PRF, Silvinei Vasques, que direcionou os recursos da Polícia Rodoviária Federal para o objetivo de inviabilizar ilicitamente que Jair Bolsonaro perdesse o Poder. Além disso, os diálogos mantidos no grupo “EM OFF” indicam que, na reunião, Anderson Torres deu “carta branca” para a concretização do plano.
“A análise das comunicações confirma o esforço incessante, crescente e coordenado para manipular o processo eleitoral — não somente pelas narrativas infundadas de fraude, mas também pelo empenho de força material impeditiva do acesso de presumidos eleitores do adversário às urnas temidas”, dizia a denúncia.
A conversa também sinalizou a anuência da PRF e a resistência da Polícia Federal aos comandos ilícitos. No diálogo, os denunciados mencionaram que, embora a PF tenha refutado o plano, a ideia do apoio estava sendo “entubada” por Fernando, no confronto com o Diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, Caio Pelim.
“Está clara a tentativa deliberada de minar o sistema democrático pelo uso da força inerente à estrutura policial do Estado, mediante ações de embaraço e intimidação de eleitores. Está nítido que os denunciados pelo episódio anuíram à entrada na organização golpista e atuaram para a consecução do seu propósito de desprezar o sistema democrático eleitoral e assegurar a permanência de Jair Bolsonaro à frente do governo, mesmo que em contrariedade à ordem constitucional”, dizia um trecho da denúncia da PGR.
O BNews tentou contato com a assessoria da Polícia Rodoviária Federal sobre o caso. No entanto, até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno. O espaço segue aberto em caso de manifestação futura.
Agência Brasil